Rev Assoc Med Bras 2006; 52(4): 187-201
O iodo radioativo tem sido, há mais de 50 anos, usado no
tratamento de adultos portadores de doença de Graves.
Porém, este uso tem sido evitado em crianças e adolescentes
por muitos endocrinologistas, com receio da possibilidade de
aparecimento de leucemia e câncer da tireóide. Alguns autores
detalharam os resultados do seguimento de 116 pacientes com
menos de 20 anos de idade (3,7 a 19,9 anos) e que foram
tratados com iodo radioativo.
No seguimento de cerca de 30 anos, nenhum caso de
leucemia ou de câncer da tireóide foi registrado. No início,
como o objetivo era alcançar um estado de eutireoidismo, as
doses do iodo utilizadas eram muito baixas tornando, muitas
vezes, necessário um novo tratamento. Posteriormente, foram
utilizadas doses maiores, o que levou todos os pacientes a um
quadro de hipotireoidismo, com exceção de dois deles. As
pacientes que engravidaram não apresentaram aumento do
número de anomalias congênitas nem abortos espontâneos,
comparados à população geral. Estes resultados levaram os
autores a concluir que o tratamento da doença de Graves com
radioiodo mostrou-se seguro e eficaz a longo prazo.
Comentário
O receio dos efeitos adversos do radioiodo em crianças com
doença de Graves faz com que muitos médicos prolonguem
durante anos o tratamento medicamentoso da doença. O trata-
mento clínico pode mostrar-se desapontador, não levando à
remissão da doença, ao lado do considerável número de efeitos
colaterais provocados pelas drogas antitireoideanas. O tratamento
cirúrgico, opção considerada boa quando nas mãos de um cirur-
gião hábil, tem um custo maior (cirurgia, cicatriz). Consideramos
que um tratamento medicamentoso deve ser tentado, pois o
quadro pode mostrar remissão em um ou dois anos. Se isso não
ocorrer o radioiodo é uma boa opção pela experiência já registrada
em um tratamento que tem uma história de mais de 50 anos.
Uma pesquisa científica sempre procura resposta a uma
indagação. Em medicina, a resposta obtida para esta indagação
tem que ser reprodutível para ser crível. Somente após diversos
investigadores, em diferentes lugares, realizarem uma mesma
pesquisa, pode-se fazer uma generalização da resposta. Aí,
então, as conclusões são postas em prática.
Mas um problema pouco discutido pela comunidade cien-
tífica envolve certas perguntas que são repetidas inúmeras
vezes, mesmo quando a resposta já é conhecida ou deveria sê-
lo
1
. Esta repetição significa, no mínimo, uma perda de dinheiro
e de tempo. Pior do que isso, tais repetições podem ser
antiéticas, pois podem custar vidas. Alguns estudos recentes
mostram exemplos marcantes da repetição supérflua de inves-
tigações e suas conseqüências.
Recente artigo de autores canadenses faz uma apreciação
que abrange 18 anos de pesquisa sobre a aprotinina, um
fármaco usado para reduzir o sangramento durante cirurgias
cardíacas
2
. Os autores levantaram 64 artigos randomizados,
publicados a partir de 1987, distribuídos por 12 países.
Dois terços deste total eram variações sobre uma mesma
questão. E quase todos indicaram que os pacientes que recebiam
aprotinina sangraram menos. Esta vantagem se tornou evidente
em junho de 1992, após o 12º estudo. Os autores desta revisão
afirmam que os pesquisadores não teriam justificativa para fazer
estudos posteriores se considerassem toda esta produção
científica anterior, particularmente os estudos de revisão de tipo
metaanálise. Eles deduzem, portanto, que os autores não
fizeram uma revisão cuidadosa de tudo que fora publicado
previamente. Nos 64 artigos, os pacientes foram distribuídos de
forma randômica para receber aprotinina ou placebo. Em geral,
não houve diferença na mortalidade entre os dois grupos, mas
os que receberam o fármaco sangraram menos.
Revisão sistemática conduzida por Gilbert et al. destaca o
potencial aumento da mortalidade devido à repetição indevida
das pesquisas, ao abordar o problema da morte súbita na
infância, ou síndrome da morte no berço, que atinge crianças
com até um ano de idade e que vêm a falecer sem uma causa
demonstrável
3
.
No passado, com receio de vômito seguido de aspiração, as
mães eram aconselhadas pelos pediatras a colocar os bebês
pequenos em decúbito prono durante o sono. Esta afirmação
não possuía uma base científica. Diversos estudos comprova-
ram que este decúbito aumentava sete vezes o risco de morte
súbita. Uma compilação dos estudos feitos até 1970 teria
tornado evidente a enorme diferença de riscos, mas os estudos
observacionais continuaram a ser feitos até o início da década de
90. Nesta década, foram encetadas campanhas oficiais, em
alguns paises desenvolvidos, a favor da indicação da posição
supina. Entre 1970 e os anos 90, milhares de crianças teriam
sido poupadas da morte no berço se houvessem sido correta-
mente considerados corretamente os estudos sobre o decúbito
para o sono do recém-nascido e pequeno lactente
3
.
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