Os
aminoácidos e os açúcares são constituintes básicos dos seres vivos. Os
aminoácidos formam as proteínas, e os açúcares, os carboidratos. Quando
nos aconselham a comer carne é porque precisamos de proteínas; logo,
estamos comendo uma seqüência de aminoácidos. Certamente não será à mesa
de refeições que os pesquisadores irão se satisfazer na eterna busca
por explicações científicas para a origem da vida. Mas o professor
Marcos Eberlin, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, acredita estar
ajudando num passo importante em direção à definição da arquitetura
química dos seres vivos.
Eberlin e sua equipe do Laboratório
Thomson (do IQ) fazem parte de um projeto sobre homoquiralidade,
iniciado a partir de experimentos de um aluno seu, Fábio Gozzo, e do
professor Robert Graham Cooks, na Universidade de Purdue (EUA). Eles
formam um grupo de cientistas que espera ter encontrado a resposta para
um dilema iniciado há dois séculos por Louis Pasteur, depois de provar
que os seres vivos nascem obrigatoriamente da própria espécie.
“Homo
significa homogêneo e quiralidade é a propriedade que algumas moléculas
têm de serem quase idênticas. Elas só diferem porque, num espaço
tridimensional, uma aponta para a direita e outra para a esquerda, como
se fossem nossas mãos espalmadas", afirma Eberlin. As chamadas moléculas
quirais foram descobertas por Pasteur. Ao realizar experiências com o
ácido tartárico, o químico francês observou no microscópio que eram na
verdade dois cristais distintos e os separou. Todas as propriedades
físicas e químicas eram as mesmas, exceto uma: quando se passava uma luz
polarizada, um dos cristais desviava a luz para a direita e outro para a
esquerda.
Parece complicado, e é. Por isso, o professor da
Unicamp evita confundir o leitor com detalhes. Insiste apenas no fato de
que, sintetizando essas moléculas em laboratório, se faz um conjunto,
uma mistura das duas nas mesmas proporções: metade L (de levógeros, que
são as moléculas canhotas) e metade D (de dextrógeros, as moléculas
destras). Em tudo o que existe na natureza, elas deveriam sempre
coexistir, se misturar.
“O surpreendente, quando olhamos o
organismo humano, é que todos os aminoácidos são L, não temos nenhum D.
Daí analisamos os açúcares, que também deveriam ter L e D, mas todos são
D e nenhum L. Como explicar isso num mundo todo assimétrico, aquiral,
onde sempre deveríamos encontrar uma mistura dos dois?", questiona
Eberlin. Não existe (ou não existia) nenhuma explicação lógica, dentro
da ciência, para que se privilegiasse uma dessas formas. Como explicar
essa separação do D para os aminoácidos e do L para os açúcares na
formação de seres vivos?
** ESPECTROMETRIA DE MASSAS
A
espectrometria de massas é uma técnica de análise instrumental da
química em que se visualiza com precisão o universo molecular. Foi por
meio dela que as equipes de Marcos Eberlin e de Robert Cooks realizaram
experimentos, detectando algo inédito: "Pegamos uma mistura L e D de um
aminoácido e conseguimos colocar no L uma marca química, distinguindo-o
do D. Depois, marcamos dois. Percebemos então que os L e D se agrupavam
naturalmente: os D de um lado, formando uma estrutura cilíndrica, e os L
para outro, formando outra estrutura cilíndrica. Foi bastante
interessante, pois nunca se pensou que esse processo de separação
pudesse ocorrer naturalmente", lembra Eberlin.
Era um arranjo
geométrico tridimensional especial. Como ilustração, o pesquisador da
Unicamp recorre às brincadeiras de roda: "Se alguém for brincar virado
de costas ou dando as mãos invertidas, não vai se encaixar na roda. O
mesmo se dá com os aminoácidos, que se agrupam porque a estrutura é como
a de uma roda: somente aqueles que dão a mão corretamente se unem -
somente os L (virados para a esquerda) ou os D (virados para a
direita)".
O projeto na Unicamp sobre técnicas modernas em
espectrometria de massas e suas aplicações em química e bioquímica conta
com financiamento da Fapesp e, na Universidade de Purdue, da agência
National Science Fundation (NSF). Eberlin ressalta que talvez se tenha
proposto uma explicação apenas para o primeiro passo do processo de
homoquiralidade dos seres vivos, de como separar naturalmente os
aminoácidos. A segunda etapa, da seleção, possivelmente nunca será
explicada na totalidade. Na mesma pesquisa, comprovou-se também a
propagação desse processo de separação para outros aminoácidos, visto
que o organismo não possui apenas um, mas vinte aminoácidos. "Quando
nada se tem, o primeiro passo é extremamente importante", justifica.
** TEORIAS OBSCURAS
Na
opinião do professor, todos que tentam explicar a homoquirogênese (a
criação da homoquiralidade dos seres vivos) de certa forma usam teorias
um tanto "obscuras", processos físicos como ação de luz polarizada,
campo magnético da Terra e separação na superfície de cristais. "São
teorias difíceis de provar ou contestar. São fundamentos meio
esotéricos, como a de que os aminoácidos quirais teriam surgido em outro
planeta e trazidos para a Terra por um cometa. Era uma questão mais de
fé do que de razão, em que se acreditava ou não. Este é o primeiro
mecanismo químico relacionado com a homoquiralidade e, conseqüentemente,
com as teorias sobre a origem da vida."
Os cientistas, ao
procurarem entender a arquitetura química dos seres vivos, adquirem
maior conhecimento de nosso corpo, ampliando as condições de melhor
cuidar dele, preconiza Marcos Eberlin. Como cristão, ele confessa:
"Minha grande motivação para fazer ciência é entender como Deus cria as
coisas, usando as próprias leis da química e da física. Se você
perguntar a outro cientista, ele poderá dizer que procura entender como
se dá a criação pela natureza. Para mim, esse processo de separação dos
aminoácidos e açucares é uma marca, a 'assinatura química' que Deus
deixou nos seres vivos."
(Jornal da Unicamp)Nota: E vem a revista
Época e
sugere que "a ciência vai matar Deus"... Por que não entrevistam um
cientista do calibre do Eberlin? O que ele faz é pura ciência
experimental.[MB]